Alvaro José

São Silvestre – A maior do mundo na minha vida

Eu em 1980, fazendo minha estreia como ator na São Silvestre – Arquivo pessoal

Com um título desse qualquer prova é sucesso. Mais ainda quando se trata da São Silvestre que desde 1925 é festejada pelas ruas da cidade. A prova foi criada por Cásper Líbero, então dono do jornal “A Gazeta”, de onde também nasceria “A Gazeta Esportiva”, primeiro como coluna, depois como suplemento e mais tarde como jornal.

Campeões Olímpicos, Lendas do Atletismo, Estrelas do Esporte e fãs das corridas. Todos, no melhor exemplo de democracia, participaram e ainda hoje fazem a história da prova que curiosamente recebeu o apelido de “a maior do mundo”. Tão tradicional como a ceia do réveillon era assistir a São Silvestre à noite. Todo mundo tem uma história para contar, para lembrar.

Minhas recordações da prova começam ainda menino, na casa do Seo Vicente, pai de meu tio Attilio, meu padrinho em meio aos anos 60. Avenida Pavão em Moema. Meu pai viajando, como sempre a trabalho. A casa tinha uma sala grande e a televisão era enorme. Era de tubo e preto e branco, claro. Só o móvel dela dava para ocupar hoje uma sala desses apartamentos modernos, além de exigir um esforço descomunal para mover aquilo.

Na época, o astro da São Silvestre era o belga Gaston Roleants, que venceu quatro provas entre 64 e 68. Além disso, foi medalha de ouro nos Jogos Olímpicos em Tóquio 64, nos três mil metros com obstáculos. Ceia? Só depois da prova. Sem fechar o pódio, nada de comer. Os mais velhos faziam os prognósticos e até um bolão para ver quem ganhava.

Outra boa lembrança é a vitória de José João da Silva, em 1980. Eu já trabalhava na Band e havia sido escalado para fazer uma participação na novela “Pé de Vento”, de Benedicto Ruy Barbosa. Ele, um verdadeiro Pelé do texto e da criação, escrevera uma novela sobre um corredor, papel vivido pelo Nuno Leal Maia. Minha participação foi fazer uma entrevista com ele antes da prova. Algo inimaginável nos dias atuais. Se meus filhos Fernanda e Alexandre são ótimos atores hoje, sempre brinco dizendo que o primeiro da família fui eu.

Da história da São Silvestre sinto não estar por aqui para ver o grande Emil Zatopek, a “Locomotiva Humana” vencer. Em 53, como dizia meu pai, eu ainda estava tocando harpa. Se não vi Zatopek, vi um dos três maiores portugueses de todos os tempos: Carlos Lopes, que venceu a incrível maratona olímpica de Los Angeles em 84, batendo o recorde da prova sob um calor absurdo. Na São Silvestre, quando cruzou a linha de chegada, foi ovacionado. Ao lado de Cristiano Ronaldo e Eusébio, o Pantera Negra, melhor jogador da Copa de 66, faz o “trio de ouro” do esporte português.

A mudança do horário da prova tirou grande parte de seu encanto. O charme de ser “a maior do mundo” mesmo não sendo. As conversas que povoavam as ceias, o papo se o campeão olímpico viria e as páginas dedicadas pela Gazeta Esportiva ao evento davam um brilho que nem a luz do sol do horário da disputa consegue dar. A legião de quenianos que vem dominando a prova trouxe para cá Paul Tergat, também um dos maiores de todos os tempos, recordista da prova com cinco vitórias, é muito importante, mas não devolve o brilho do passado quando o ano novo começava ao final da prova.

Não sou saudosista. Penso que o amanhã sempre será melhor que o ontem, mas que a velha São Silvestre era muito melhor!

Redação Esporte

Um dos maiores especialistas em esportes olímpicos, narrador e comentarista esportivo.

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Álvaro José

De Moscou em 1980 à Londres em 2012. Álvaro José, que já cobriu nove olimpíadas, volta à Band para integrar a equipe da emissora no Rio 2016. Professor de história, Álvaro é reconhecido por seu profundo conhecimento dos jogos e pela memória certeira que aparece durante as transmissões em forma de dados, nomes e marcas de recordes.

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